terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Fábulas



Todos passamos por fases da vida em que parecemos animais. Desde o irrequieto esquilo da infância, passando pelo gregário esfomeado lobo da adolescência, ao isolado e ensimesmado urso da idade adulta.

Como ursos, passamos a maior parte do tempo enleados na rotina de encher a barriga para a hibernação que se aproxima, ou na própria dita cuja. Em qualquer dos casos, raramente levantamos a cabeça para olhar para o que está à volta.

Aos ouvidos chegam-nos sons vagos da floresta. Sabemos que há mais vida à nossa volta mas estamos demasiado absorvidos. Em nós mesmos.

Mas este urso cometeu a imprudência de fazer amizade com um lobo. Jovem e esfomeado, teima em morder os calcanhares ao urso, em uivar-lhe aos ouvidos, em não deixá-lo adormecer demasiado profundamente.

Para escrever, precisamos de estar despertos, olhos bem abertos e corações esfomeados. Fome do coração em vez de fome da barriga, é uma pulsão como a do sexo, que te inquieta, te agita e, em último, supremo tremor, te empurra para a frente e para o mergulho da acção. É o impulso que te dança nas entranhas, te ferve nas veias e irrompe num uivo. E, assim, de repente, és lobo. Outra vez.