quarta-feira, 11 de setembro de 2013

De volta à dança. A pedido

Ok. Se insistes, eu acedo. Sempre foi assim entre nós, né? Mesmo quando não sabias quem eu era e eu, de ti, apenas conhecia aquela figura que me cegou naquele dia mágico de Outono. Aquele Outono que era a nossa Primavera.

É isso: estou outra vez agarrado à escrita. Uma idiotice, pois sei que a tua atracção por mim é inversamente proporcional à vontade que tenho de te agradar.

 Não franzas o sobrolho, sei que é assim porque todas as mulheres são assim. Que raio, também eu sou assim. Deve ser por isso que dizes que "no fundo" sou, também eu...uma gaja.

Vou, mais uma vez, deixar o bom senso, as cautelas e...as calças? Não, não é um strip desses, relaxa. Nem vou perguntar se é o tipo de coisa que te agradaria. Tenho demasiado na minha cabeça para pensar nisso agora.

É bem pior que um desses strip teases: é antes daquelas danças de varão em que se deixa a pele e o sangue e as mais recônditas misérias. As mais incandescentes paixões, as mais balbuciantes declarações de amor, as mais disparatadas...ah, estás aí.

 Desculpa. Agora coro. Não era nada disto que...amor?... no lato senso, atenção. O outro está a adubar um qualquer canteiro de flores da tal Primavera que entretanto se foi. Agora é Verão, sabes? O final do Verão, mas um Verão que, pelo menos para mim, é riso e sal e sol e calor. Daquele que vem de dentro e te consome de uma vez. Mas com jeitinho...como uma lambidela brincalhona. Daquelas que rapidamente descambam em gloriosas bebedeiras de beijos e mapas desenhados a saliva em becos de pele.

 Enfim, vou escrever. Porque me pedes? Sim. E não. Porque somos tão os mesmos na nossa dolorosa alteridade que acaba por ser meu o teu pedido.

Porque tu és, ao mesmo tempo, a minha jaula a minha chave, a minha infinita desesperada sede e a minha taça redentora.

E sempre serás.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Fábulas



Todos passamos por fases da vida em que parecemos animais. Desde o irrequieto esquilo da infância, passando pelo gregário esfomeado lobo da adolescência, ao isolado e ensimesmado urso da idade adulta.

Como ursos, passamos a maior parte do tempo enleados na rotina de encher a barriga para a hibernação que se aproxima, ou na própria dita cuja. Em qualquer dos casos, raramente levantamos a cabeça para olhar para o que está à volta.

Aos ouvidos chegam-nos sons vagos da floresta. Sabemos que há mais vida à nossa volta mas estamos demasiado absorvidos. Em nós mesmos.

Mas este urso cometeu a imprudência de fazer amizade com um lobo. Jovem e esfomeado, teima em morder os calcanhares ao urso, em uivar-lhe aos ouvidos, em não deixá-lo adormecer demasiado profundamente.

Para escrever, precisamos de estar despertos, olhos bem abertos e corações esfomeados. Fome do coração em vez de fome da barriga, é uma pulsão como a do sexo, que te inquieta, te agita e, em último, supremo tremor, te empurra para a frente e para o mergulho da acção. É o impulso que te dança nas entranhas, te ferve nas veias e irrompe num uivo. E, assim, de repente, és lobo. Outra vez.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Bichos

A ouvir o fórum da TSF sobre a discussão da lei da procriação medicamente assistida e a constatar que os bichos do preconceito homofóbico, do catolicismo ultra-ortodoxo, para não falar na pura e simples ignorância medieval, continuam a nadar livremente na sociedade portuguesa. Um casal homossexual ou uma mãe ou pai solteiros não podem ter filhos porquê? As crianças precisam de pais que os amem, independentemente do estado civil ou preferência sexual. O amor, essa palavra usada de forma tão dúbia por uns e outros é, como dizia o poeta, cego. Mas vê mais longe que muitos ignorantes doutorados.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Coragem é apenas a ausência de alternativas

Os ossos da cara doem. O milionário fato de neoprene que me equipa protege o meu corpo, as minhas mãos e pés já deixaram de ter sensibilidade durante a remada para fora, mas os ossos da minha cara... consigo sentir perfeitamente o limite das órbitas dos meus olhos e os meus malares. A pele que reveste a abóboda do meu crânio também deixou, misericordiosamente, de emitir sinais. Mas a minha cara dói.

A água é de um tom mais escuro que o céu e já perdi de vista o amigo com que entrei hoje no mar. Como diria o meu amigo Filipe, Ele hoje está zangado, o Mar.

Há cheiro a tempestade no ar mas o vento ainda não levantou.

Levanto a cabeça para o horizonte e ele mexe-se. Cá dentro, alguém derrama um líquido quente e frio que nasce na barriga e se espalha pelo corpo todo. O sangue ferve e gela à vez. Inspiro fundo e remo para a frente.

Às vezes, só te resta uma solução. Cerrar os dentes, inspirar fundo e remar. Para a frente. Porque em dias de tempestade, estás sempre, irremediavelmente, só.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Correcções e tempos perdidos




Sou obrigado a fazer uma correcção ao texto anterior. Um tipo que parece apostado em irritar-me até conquistar um estatuto normalmente reservado a alguém que nascesse da minha mãe ou através da semente de meu pai, diz-me que, afinal, não falho. Diz que, quando dou por isso, que precisam de mim, estou lá. Pois, quando dou por isso...

Mas adiante. Parece que estou de volta. De volta à caneta. Mesmo que virtual. E sabe bem. Mas é um risco. Escrever sempre foi um escape, como, aliás, acho que para toda a gente que desenha letras sem a que isso seja obrigado. Mas é um truque arriscado, um caminhar na corda bamba.

Escrever sempre fez parte de mim, mas escrever para alguém ler sempre me soube um pouco àqueles sonhos em que caminhamos nus no meio da rua. Exponho-me demasiado e sofro de um pudor desmedido.

Claro que escrever profissionalmente nunca me fez corar. Tenho a pretensão de ter um domínio razoável da minha língua, pelo menos pré-acordos pornográficos...
Mas escrever, para mim, tem um dualidade paralela (especulo) à das prostitutas.

Profissionalmente, sou capaz das maiores cambalhotas com o despudor próprio de alguém que faz o que lhe pagam sem, de facto, lá estar.

Mas quando escrevo por prazer, é como sair da esquina, voltar a casa e despir-me para quem amo. É diferente e sou muito mais inseguro. Porque estou aqui. Algures, entre o casamento das sílabas e o entrelaçar da gramática, tu podes ver-me. Nu no meio desta rua de píxeis.

(Silêncio confrangedor enquanto tentamos apagar esta imagem das nossas mentes...)

Mas nem sequer foram os perigos deste número de circo perigosamente íntimo a que me proponho, que me afastaram do gozo da escrita. Não, acho que foi a saturação e a confusão. A busca incessante e esquizofrénica que faço de mim mesmo. Isso e a perigosa inércia que me rouba a noção de tempo. Do vosso tempo.

Ainda aqui há dias (uma semana, duas?), alguns amigos de infância, daqueles com quem já posso comparar as primeiras rugas, me acusaram de os ignorar há praticamente dois anos. Dois anos?! Impossível! Uma calúnia, um disparate, afinal foi no aniversário do fulano no sítio tal há...dois anos.

Onde ando eu? O que ando a fazer? É fácil perder-me e sinto que já me estou a perder aqui também. Tenho pouca noção do tempo. Do vivido e do perdido. E ele é tão curto. Se calhar, este espaço pode ser uma âncora. Eu preciso de um âncora que me prenda e me impeça de sair à deriva. E, ao mesmo tempo, detesto que me prendam.

Acho que sou um homem-jangada. Feito e desfeito de fragmentos e ansioso por sair à deriva mesmo sabendo que não tenho, de todo, a robustez para suportar mais uma tempestade.

Assim, vou ancorar aqui de quando em quando. E, para quem quiser entrar, aviso: faça-o por sua conta e risco. Se calhar, é como diz o meu amigo: eu não falho. Quando dou conta. E perco a conta muitas vezes.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

"I" é de incógnita

pondicherry 5 - three body parts of a sad elephant

Um dos clichés que mais gosto acerca da vida é que esta é uma guerra. Uma série de conflitos, sejam escaramuças ou batalhas caóticas. Tempestades de elementos. Conflitos.

Não digo que esta seja a descrição adequada para todos. Há quem consiga passar pelas armadilhas do seu percurso terrestre com a graça de um bailarino russo. Eu comporto-me muito mais como um grande elefante embriagado no meio de uma loja de cristais. Estabelecimernto que, por algum capricho, foi montado dentro de uma estufa.

Todos os ingredientes para o desastre estão lá. Ou, parafraseando o psiquiatra que seguia a senhora minha mãe -- e, que precisamente por isso, por conhecer a senhora, achou que seria bom ouvir-me-- : "Devo dizer-lhe que tendo em conta o que tem sido a sua vida, você é extraordinariamente equilibrado..."

Na altura, não percebi bem se era um elogio. Sobretudo porque o mesmo homem me disse, numa das poucas consultas a que me dignei aparecer: "Desculpe, mas você deve ser um grande chato".

De certa forma, acho que sim, que ele tem razão. Na parte do chato. Quanto à do "equilibrado", acho que as aspas que estou agora a utilizar para cercar a palavra também estavam lá expressas na parte do "tendo em conta...".

Se há coisa que não sou é equilibrado. Não sou, não posso, e detesto o conceito. Se calhar vem daí a chatice com que me rotulou. Não que seja um monólito, um cepo pouco brilhante e inanimado; pelo contrário: sou chato no sentido de nunca poderem contar comigo para nada. Isso sim, é uma chatice.

Irresponsável, inconstante, irritante, imaturo...se há letra que se adequa a mim é o "i". Mas não, não sou leitor desse jornal.

Não sei para onde vou ou o que faça. Estou preso na armadilha da minha própria Irresponsabilidade, obrigado a lidar com as consequências dos actos que Irreflectidamente perpetrei. Sim, Irremediavelmente Imaturo.

E agora... agora estou nas Tuas mãos. Não sei que mais fazer se não confiar numa transcendência qualquer que me proteja da imensidão da minha irresponsabilidade. Já confiei no Amor, no Dinheiro e em outros tantos deuses. Todos me falharam. Agora é a tua vez, o mais antigo, aquele ao qual me ensinaram a pedir desde muito novo. E eu que nunca fui de pedir nada a ninguém, já viste?

É que nunca suportei ver os meus pedidos recusados. Prefiro não pedir. E, durane anos, preferi não viver. Até que, quando me atrevi, armadilhei tudo.

E agora peço. Peço que me guies. Através das escaramuças desta guerra. Porque este elefante está velho e cansado. É que ter a proverbial memória do paquiderme cansa. E fere. Sobretudo quando se tem uma pele bem mais fina que o dito cujo e uma Incontornável atracção por lojas de cristais.